Enquanto eu escrevo essas palavras bem aqui, eu começo a imaginar quem acabará por ler elas. Existe muita coisa que eu gostaria de compartilhar, pensamentos meus que jamais foram falados, ideias para as quais ainda nem foram inventadas palavras, meios de comunicação e expressão humanas que não conseguem abarcar a absurdidade do que se passa em minha cabeça durante o dia todo.
Eu sei, tem hora que Mozneda parece uma tentativa malsucedida de um meme, esquizopostagem, complicação sem sentido, arte feita apenas para assustar, confundir ou provocar meio segundo de riso pelo nariz antes de sumir para sempre da timeline, mas não é bem isso. Às vezes é difícil fazer caber em qualquer lugar as minhas ideias. Para mim, é muito difícil imaginar com quem estou falando agora. Eu não faço ideia do que você já viveu, onde quer chegar, no que acredita, se me considera apenas um doidinho de praça desses que tem um monte na internet.
Vou falar com a pessoa certa. Você mesmo aí quem está lendo todas essas palavras. Cada letra desse texto foi digitada usando meus dedos humanos. Eu estou escrevendo isso para pessoas, talvez apenas uma pessoa, quem sabe várias. Isso é apenas um experimento. Estou tentando faz anos descobrir a melhor forma de comunicar o que eu quero dizer. Ilustrações, animações, mensagens em código? Talvez escrever e abrir o coração numa carta aberta seja uma forma acessível de colocar no mundo lá fora o que se passa por aqui do lado de dentro. Conexão humana. Ainda estou trabalhando nisso.
Faz alguns dias tenho sentido essa inquietação de falar com um interlocutor. Um pequeno pedaço da minha ideia me incentiva a comunicar algo. Eu moro sozinho. Passo a maior parte dos meus dias sem falar com ninguém. Eu sei isso pode parecer muito triste ou desesperador para muita gente, mas é assim que eu funciono da melhor forma. Passar tanto tempo assim sozinho me permitiu explorar a realidade de uma maneira completamente desamarrada das convenções da sociedade e da cultura. Dentro da minha casa, eu dito todas as regras. Crio minhas próprias normas, minha própria cultura, minha própria religião.
Era muito bom ter muitos amigos, mas com o tempo percebi que muito do que passeava em meu pensamento não eram ideias minhas, mas remixes de ecos de ideias que circulam por aí faz milênios. Criticamos com razão os grandes modelos de linguagem, que mastigam a produção humana como um chiclete que já perdeu o sabor e começa a provocar azia. A internet provocou uma homogeneização do pensar, do agir, do ser. Eu não entro online para me apagar, mas ao mesmo tempo pode ser bastante difícil me apresentar como sou, nos meus termos, e ainda assim ser lido, ouvido ou assistido.
Esse texto, como outros que já publiquei, tenta arranhar a noção da realidade. Tem gente que diz que a realidade é uma simulação de computador. Talvez porque o computador é uma das coisas mais avançadas já inventadas pela humanidade. Nos dias de hoje tem computador em tudo. Faz toda lógica pensar que a realidade seja feita de computador. Mas eu discordo dessa ideia. Você ainda está lendo? Bacana.
A realidade, enquanto fenômeno consensual, é mediada pelo mundo físico, material, mensurável, observável. Desde a invenção da ciência, o mundo real é tudo aquilo que podemos colocar em uma planilha do Excel. Todo o resto é bobagem, crendice, alucinação. A noção de realidade da grande maioria das pessoas é completamente cerceada por definições oficialmente autorizadas. A realidade é física. Mas também é imaginária. Fecho os olhos e imagino uma estrela rosa com cinco pontas brilhando no céu acima de uma montanha. Existiu ou não existiu? Onde foi que isso aconteceu? O neurocientista com sua tomografia computadorizada pode apontar com precisão de milímetros quais neurônios foram os responsáveis pela aparição dessa imagem inexistente. O cérebro, como dizem, é um grande mistério ainda sendo investigado.
Se você observar bem, há uma busca interminável por explicações materiais para fenômenos imateriais, até mesmo dentro dos processos internos de funcionamento dos seres humanos. Um desequilíbrio químico no cérebro provoca depressão, aquela estrela cor de rosa tão brilhante linda nunca antes vista em qualquer lugar do mundo planeta terra nada mais é do que reação química do glutamato entre as beiradinhas dos neurônios, veja bem: Há uma explicação física para tudo.
A ciência invalida tudo o que não cabe dentro de suas estreitas paredes, ao mesmo tempo em que tudo o que existe acaba sendo espremido para ser contido dentro de suas bênçãos. Essa forma de expressão humana não existe sem seu mérito, muito sofrimento humano acabou graças às suas descobertas, mas ao mesmo tempo, na minha visão, muito do que existe acabou ficando de fora. O ser humano não cabe dentro da ciência para além do que há no físico. Se o sentimento é apenas uma reação química, me pergunto o que sente o comprimido de vitamina C enquanto se dissolve na água antes de ser tomado.
Quando a ciência ainda não existia do tamanho que é hoje, o mundo era muito mais mágico. O sol e a lua não tinham explicação, as estrelas não eram nuvens gasosas no vácuo espacial, o desconhecido era explicado das mais diversas formas, e de algum modo todas as explicações tinham alguma verdade embutida. Quando a humanidade ainda não tinha respostas prontas para tudo, o mundo era uma historia esperando para ser contada. A arte, a mitologia, o mistério. Tudo isso o cientista tomou de nós. Porque agora é burrice parar para contar uma história não oficial de um mundo que já foi completamente explicado, ainda que muita coisa permaneça sem explicação.
O cientista conseguiu sim, explicar uma ou outra coisa da matéria que habitamos. Progredimos, erradicamos doenças, nos telecomunicamos, podemos viajar de avião, podemos congelar a carne para comer meses depois. Somos a espécie que inventou a air fryer. Tudo indica que vivemos o auge da evolução da espécie. Mesmo assim, a condição humana ainda é muito difícil, as dificuldades que em outros tempos nos afligiam apenas foram substituídas por outras, como a reduflação, o burnout ou ainda a doença auto-imune. Eu ousaria dizer que na missão de explicar tudo o que existe, o cientista acabou erradicando a magia do mundo.
Algumas pessoas percebem isso e decidem que a resposta reside em simplesmente observar o status quo e decidir acreditar no seu inverso. Anton LaVey fundou o satanismo como um espelho reacionário do cristianismo, o exato oposto, onde até a famosa cruz se mostra de forma invertida. Temos o pessoal anti-ciência, que diz que o wi-fi causa brotoejas, que o celular 5G emana tumores de suas torres, e que as vacinas na verdade causam doenças. Todos são pensamentos existentes, narrativas nas quais algumas pessoas acreditam por serem algo dissonante da narrativa pronta que lhes é entregue pelo mundo, mas brincar de opostos é muito preguiçoso.
A realidade para quem acredita em seja lá o que for será exatamente aquilo em que escolheu acreditar. Eu sei, parece uma simplificação um tanto grosseira, que exigiria explicações mais densas e elaboradas, mas depois de tanto tempo digerindo o que o mundo me entregou como real, cheguei à conclusão de que a realidade é sim uma simulação de computador, vacinas causam sim doenças, Jesus é o caminho, a verdade e a vida, comer carne faz mal, cigarro faz um pouco bem, e a marca tal realmente desafiou aquele influencer famoso a experimentar a nova linha de produtos que acabou de chegar às lojas.
A realidade é feita de significado, e o significado pode ser o que você quiser. Todos somos livres para acreditar que o colapso da sociedade é iminente, que fazer o bem atrai a boa sorte, que os infiéis terão suas cabeças cortadas, que o amor da sua vida vai chegar no exato momento em que você começar a amar a si mesmo. Vivemos numa realidade em que todas essas coisas são verdade, para diferentes pessoas, de diferentes maneiras. Não existe um limite no que se pode escolher acreditar. A “sociedade”, enquanto estrutura objetivamente existente é uma ideia absolutamente imaginária.. .
Eu já enlouqueci algumas vezes. A mente em estado de psicose existe fora da cerca do comum-acordo do que é dito “real”. Fora do território do município, estado, nação. Fora do capitalismo, socialismo, budismo, bolsonarismo. A cabeça do homem louco é feita de ideias com as quais ninguém ainda concordou. O delírio deixa de ser coletivo e passa a ser individual. O sujeito se torna o único ser pensante em todo o planeta mundo, ter a opinião própria não é apenas pensar o oposto do que todo mundo pensa. Enlouquecer é entender que você tem a liberdade de pensar e acreditar que qualquer coisa é verdade, e de repente tudo muda.
Nossas crenças, sejam lá quais forem, atuam como lentes através das quais a realidade se projeta. A crença se mantém, pois aponta para tudo o que existe e confirma a sua veracidade. A realidade é crer para ver, para então ver para crer ainda mais. Nessa loucura, alimentada por algoritmos personalizados online, nos isolamos em visões de mundo prontas, absurdamente reais. A mais perigosa crença é a crença de que a crença é imutável. Mas é aí que está a beleza da experiência humana. Até a crença de que a crença é imutável pode ser alterada, se você assim acreditar ser possível.
Pensando bem, eu já enlouqueci várias vezes. Acreditei em absurdos. Vivi minha vida fora do padrão socialmente aceito. E aprendi tanta coisa com isso.. . Primeiramente, aprendi que o ateu que acredita na ciência está absolutamente correto, pois sua realidade mostrará provas de que deus não existe, e que o cientista tem uma explicação para tudo. Depois aprendi que o feiticeiro que faz macumba está coberto de razão, pois a realidade dele é repleta de magia e sinais invisíveis de que o mundo pode ser manipulado apenas usando combinações estranhas de velas, ervas e encantamentos. O evangélico que frequenta a igreja da parede preta também vive uma profunda verdade, pois empreender e enriquecer é o caminho mais fortuito para se alcançar uma vida vitoriosa onde seu dízimo é cada vez maior.
Nenhuma loucura se compara à loucura de quem entendeu que é tudo apenas um grande emaranhado de coisas que escolhemos ou fomos coagidos a acreditar. A realidade se torna tela em branco onde qualquer coisa pode ser desenhada, sem limites. O risco aqui é se desfavorecer. Escolher acreditar que Saymon está pagando celebridades para governar a sua vida para o mal é uma possibilidade, mas viver essa realidade é escolher uma vida de sofrimento. Acreditar que é preciso trabalhar oito horas por dia cinco vezes por semana, e que sábado e domingo são os únicos dias em que a vida pode ser prazeirosa também não é uma escolha muito inteligente.
A realidade é qualquer coisa que você acreditar, então vai fundo. Enlouqueça com sabedoria. Acredite a seu favor. Acredite que a vida é mágica, que as coisas se resolvem sozinhas, que a sua sorte é tão grande, que a sua vida é maravilhosa. Crie sua própria cultura, sua própria religião, acredite que as respostas te encontram, que todo mundo gosta de você, que tudo já está melhorando. Essas lentes focarão nas coisas do mundo que te mostrarão que tudo isso é verdade, e a sua vida será do jeito que você quiser.